O foco do livro Claro, Cleusa. Claro, Clóvis (Editora do Brasil) é a fase natural do desenvolvimento da sociabilidade infantil, quando as crianças se relacionam em duplas. Essa dinâmica acontece primeiramente na própria família: mãe/filho, pai/filho ou entre irmãos. Na escola, essa relação a dois aparece com bastante evidência. Com o tempo, as crianças aprendem a se relacionar em trios. E, por último, em grupos maiores (teoria da Matriz de Identidade, de J. L. Moreno).
O livro trata, portanto, do amadurecimento das relações humanas e do encontro individual com a própria identidade. Esse caminho – muito prazeroso, mas também repleto de conflitos – é essencial na construção das amizades saudáveis e respeitosas. Um aprendizado que levamos para a vida adulta.
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E N T R E V I S T A
Quando surgiu a ideia de escrever o livro Claro, Cleusa. Claro, Clóvis.? O que a motivou?
Raquel: Percebi uma situação corriqueira, principalmente nas escolas: a dificuldade de inclusão de um colega na amizade sólida entre dois amigos. A passagem das duplas para os trios. E, depois, para grupos maiores. É um processo natural do desenvolvimento da sociabilidade infantil. No entanto, esse aprendizado acontece, geralmente, com muito conflito. Jogar luz sobre esse assunto é uma forma de ajudar o leitor a se reconhecer na situação e provocar uma reflexão. Ao se espelhar nos problemas dos personagens, a criança já não se sente sozinha nessa condição. Desenvolve, assim, uma empatia. A ficção é maravilhosa por isso também.
Como surgiu a ideia de criar um texto sobre amizade usando figuras geométricas?
Raquel: A ideia de usar os personagens como figuras geométricas foi intencional para, logo de cara, desconstruir uma expectativa do senso comum. Dessa forma, desde a capa e a primeira página da história, na qual os personagens são apresentados, o leitor entra no clima dessa desconstrução e se abre para receber as imagens seguintes, que são mais complexas. A leitura das ilustrações – que as formas geométricas constroem – é absolutamente aberta, ou seja, cada um lê as imagens como quer, não há uma interpretação única. Com essa condição, introduzi na prática a vivência da diferença de ponto de vista. Não tem o certo, nem o errado, mas sim, o olhar individual de cada um. Um caminho para introduzir o respeito das diferenças.
Entrar nesse imaginário infantil por meio das cores e formas, ajuda a incutir nas crianças uma lição como, por exemplo, a importância de se respeitar diferenças e o valor da amizade?
Raquel: Penso que instigar a reflexão surte mais efeito nas crianças do que passar uma lição ou uma moral. Nessa história, por exemplo, não há intervenção de um adulto para mediar o conflito e passar uma lição. Os personagens, que são crianças, vivenciam o conflito, refletem sobre ele e transformam a situação. Portanto, a ideia de respeito às diferenças é transmitida não como moral, mas como aprendizado. O uso de cores fortes e formas geométricas simples são ferramentas para atrair a atenção do leitor. O livro foi impresso com três cores especiais (pantones). A escolha de cores contrastantes atribui a cada um deles uma personalidade diferente. O azul e o amarelo, por exemplo, são cores que se complementam de forma harmônica no círculo cromático. Já o rosa, é uma cor intermediária entre eles. Há o branco também, que aparece quando as formas são dobradas. O verso de todos os personagens são, portanto, idênticos. Se por um lado, cada um possui sua particulariedade de forma e cor, por outro, são todos iguais. Essa dualidade da condição humana aparece nas imagens, sem ser dita com palavras.
Como nasceu seu interesse em escrever para esse público infanto-juvenil? Como, na sua opinião, os livros ajudam na formação da criança?
Raquel: O meu interesse em escrever para o público infantojuvenil vem da minha experiência como leitora. Quando me identifico com algum personagem ou com a história de um livro, há uma abertura para a reflexão. Penso que a literatura é uma ponte que dá acesso aos sentimentos mais profundos e, por esse espelhamento, somos capazes de compreender melhor a condição humana. E a literatura infantil é uma oportunidade valiosíssima na formação de uma criança leitora, que cresce se reconhecendo nos outros e, por consequência, em si mesma. É um aprendizado para a vida toda.