Bichos bichentos melequentos

Bichos bichentos, saiam dos lixos! Baratas, me deixem ver suas patas! Bichos bichentos, novo livro escrito por Claudio Fragata, ilustrado por Raquel Matsushita e editado pela Editora Moderna, é um abecê de criaturas esquisitas, melequentas e curiosas.

Quarta capa do livro pelo olhar de Lalau

“Desconfio que as letras têm lá seus dias bons e ruins. A letra a, por exemplo, pode estar alegre hoje e angustiada amanhã. A letra b pode achar tudo muito bonito ou fazer uma bagunça no que a gente acabou de escrever. Por isso, não é fácil fazer livro sobre o alfabeto. Mas o Cláudio e a Raquel deixam tudo mais criativo e divertido.
Aqui, cada letra é uma surpresa poética e visual. O Cláudio faz poemas de tudo quanto é jeito: haicai, acróstico, trava-língua e outros. A Raquel desenha até um dinossauro usando só as palavras!
Bichos bichentos é uma experiência incrível. Você vai conhecer coisas bem legais sobre criaturas esquisitas, melequentas e curiosas. Você sabia que a ameba é inteligente? Que o camaleão é um animal mágico? Que kiwi também é nome de uma ave? E eles ainda tiveram a ótima ideia de colocar as mãozinhas do alfabeto em Libras (Língua Brasileira de Sinais), pra todo mundo aprender.
O Claudio e a Raquel adoram as letras. Ou as letras adoram a Raquel e o Claudio? Acho que as duas coisas.”
Lalau é poeta, autor de Brasileirinhos, A última árvore do mundo, entre outros, sempre em
parceria com a ilustradora Laurabeatriz. 

Conversando sobre o livro, pelo olhar de Marisa Lajolo

“Abrir este livro é entrar num mundo habitado por vinte e seis criaturas. Algumas mais familiares, outras menos. Bichos de pelo, de penas, de escamas. Ao longo do livro, em suas sofisticadas páginas, cada bicho recebe um belo poema e lindas  imagens.
Desde o título, definem-se as personagens, tratadas coletivamente pela expressão que batiza o livro: Bichos bichentos. Esta expressão já sugere tanto a natureza do conteúdo (bichos) quanto o espírito brincalhão que preside sua apresentação: o humor e as brincadeiras com a linguagem, que criam palavras e alteram outras quando necessário. Bichentos ilustra isso: em sua sonoridade, insinua alguns de seus possíveis significados.
Na abertura do livro, uma figura humana: o senhor Anacleto. Comprido e magro, cabe a ele o papel de cicerone do leitor. A ele é atribuída a ideia de organizar o desfile dos Bichos bichentos a que assistimos ao longo da leitura.

Na organização do desfile, a sequência alfabética é o critério escolhido: a abertura fica a cargo de uma ameba e o encerramento fica por conta da zabelê, cumprindo-se assim a tarefa do senhor Anacleto, anunciada na estrofe de abertura: “soletrar o alfabeto”. 
Bichos e humor seduzem leitores, maiores e menores de idade. Nas páginas que seguem, a sedução aumenta à medida que a leitura decorre, em função da originalidade dos bichos que protagonizam o livro: em vez de abelha, uma ameba para a letra A. Em vez de um elefante, uma enguia para a letra E. E assim vai…
Esta organização alfabética rende. A cada bicho, corresponde uma imagem grande da inicial de seu nome. E a cada uma destas vinte e seis letras, em outra imagem, o sinal da Língua Brasileira de Sinais (Libras) que corresponde a seu som. 
Este é o primeiro diálogo que o livro estabelece: Libras e alfabeto. Mas há outros.


Leitores são frequentemente interpelados nos poemas, e os animais são também interlocutores. Nos diálogos com o leitor constrói-se um clima de solidariedade entre a voz que conduz o livro e quem o lê. A informalidade do tratamento, que simula uma conversa, favorece a adesão do leitor: “A gente é que não vê”, “você já parou pra pensar”, “podem procurar”.
Além do leitor, os bichos bichentos também são interlocuto-res da voz condutora do livro. Este diálogo é sofisticado: parece às vezes simular falas que o leitor poderia ter com os animais, funcionando como uma espécie de interpretação da relação leitor/animal tematizada: “cai fora, bicho bobalhão”, “vejo você, ornitorrinco”, “ei, urubu-rei”.
Essa pluralidade de vozes que comparece ao livro expressa–se também ao nível formal: rimas, repetições de palavras, trocadilhos conferem aos poemas extrema sonoridade. Como se trata de estrofes com diferentes tamanhos de versos e de versos com diferentes números de sílabas, a sonoridade dos poemas se constrói de maneira discreta: rimas internas, trocadilhos, repetição de sons em diferentes partes dos versos, repetições simétricas.


Esta extrema originalidade do texto que sua sonoridade expressa também se manifesta na distribuição gráfica das palavras: nem sempre as sentenças são escritas em linhas retas horizontais: muitas vezes, os versos aparecem em diagonal na página, outras vezes assumem formas circulares, outras ainda seguem o contorno da imagem do bicho que o poema tematiza. 
Seguindo, em várias ocasiões, movimentos sugeridos pela imagem que representa o bicho, esse procedimento assegura uma mais do que bem-vinda e sofisticada articulação entre forma e conteúdo, um dos traços mais importantes na produção poética.  
Característica de uma das tendências da melhor poesia contemporânea, esse procedimento reforça a alta qualidade do trabalho que Claudio Fragata e Raquel Matsushita oferecem aos leitores neste livro.”

Marisa Lajolo nasceu em São Paulo, em 1944. Cursou Letras na Universidade de São Paulo, onde também concluiu mestrado e doutorado em Letras, Teoria Literária e Literatura Comparada sob orientação de Antonio Candido. Fez Pós-Doutorado na Brown University e vários estágios de pesquisa na Biblioteca Nacional de Lisboa, na Biblioteca Sainte-Geneviève (Paris) e na John Carter Brown Library. Foi professora Titular do Departamento de Teoria Literária da Unicamp. Atualmente é professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Suas atuais linhas de pesquisa recobrem interesse por Teoria Literária e Literatura Brasileira, atuando principalmente nas áreas de história da leitura, literatura infantil e/ou juvenil e Monteiro Lobato. Publicou vários livros, artigos em revistas especializadas no Brasil e no exterior, além de ter organizado inúmeras antologias.

Veja mais no site da Entrelinha.

Um pequeno príncipe prosaico

O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, com tradução de Ivo Barroso e ilustrações de Raquel Matsushita, sai agora pela Faria e Silva Edições.

Foi grande o desafio para ilustratar o novíssimo O pequeno príncipe. A primeira inspiração foi o próprio texto do Ivo que traduz de forma ainda mais afetiva e próxima a narrativa de Exupéry. A partir daí, explico no texto abaixo, que também se encontra no final do livro, o caminho para as ilustrações.

Eis a face de uma ilustração

Senti uma grande responsabilidade ao criar as imagens para este livro, cujas aquarelas de Antoine de Saint-Exupéry, tatuadas em nosso inconsciente, fazem parte da infância de muitas gerações. Como desenhar um novo pequeno príncipe no qual eu mesma pudesse acreditar?

A primeira providência foi ler Terra dos homens. Publicado em 1939, o livro narra as memórias de Saint-Exupéry quando foi piloto do correio aéreo francês. Minha suspeita de que O pequeno príncipe, se não fosse ficção, poderia ser um capítulo de Terra dos homens, se confirmou pelo modo particular, fascinante e sensível do autor em iluminar, por meio de aventuras literárias, o bem e o mal da natureza humana. Na última página do livro, numa viagem de trem, o narrador escreve:

“Sento-me diante de um casal. Entre o homem e a mulher, a criança, bem ou mal, havia se alojado e dormia. Volta-se, porém, no sono, e seu rosto me aparece sob a luz da lâmpada. Ah, que lindo rosto! Havia nascido daquele casal uma espécie de fruto dourado. Daqueles pesados animais havia nascido um prodígio de graça e encanto. Inclinei-me sobre a fronte lisa, a pequena boca ingênua. E disse comigo: eis a face de um músico, eis Mozart criança, eis uma bela promessa da vida. Não são diferentes dele os belos príncipes das lendas. Protegido, educado, cultivado, que não seria ele? Quando, por mutação, nasce nos jardins uma rosa nova, os jardineiros se alvoroçam. A rosa é isolada, é cultivada, é favorecida. Mas não há jardineiros para os homens.” (tradução de Rubem Braga).

Fantasiei que o pequeno príncipe de Saint-Exupéry nasce no instante em que a luz da lâmpada ilumina o rosto daquele menino. Ao conceber o personagem, o escritor o protegeu, o educou e o cultivou. Responsável para sempre por tudo o que tenha cativado, Saint-Exupéry escreve a história do pequeno príncipe, publicada em 1943, tornando-se um clássico mundial.

A ideia de que qualquer um de nós pode ser um pequeno príncipe, um pequeno Mozart, uma rosa nascida por mutação, muito me intrigou. A potência dentro de nós, que se revela a cada dia, a cada noite dormida, a cada viagem de trem, a cada leitura de um livro, é a própria promessa de uma vida. 

Assisti a documentários para conhecer a infância de Mozart, assim como filmes biográficos do próprio Saint-Exupéry. Esse foi o terreno fértil que preparei para criar este pequeno príncipe: um personagem prosaico, que poderia habitar o corpo de qualquer criança. Os pequenos príncipes, os pequenos Mozarts, estão à nossa volta; inclusive pode ser você, caro leitor. 

Incorporei o uso do papel carbono amassado e passado a ferro, técnica que se aproxima esteticamente da gravura. Com um pouco de abstração nas imagens, convido a diferentes leituras, a liberdade para cada um interpretar a seu modo. Na capa, por exemplo, a rosa pode estar numa redoma ou sobre um planeta; na frente de uma pedra ou naquilo que você imaginar.

Juntos, os pequenos príncipes que vivem em nós e que não abdicam jamais de uma resposta depois de haver feito uma pergunta, criam leituras particulares desta obra repleta de metáforas, que instiga às mais livres reflexões.

Dedico este livro a Ionit Zilberman e a Rui de Oliveira, planetas que tanto amo habitar. 

Veja mais no site da Entrelinha.