Ao eterno Jorge Miguel Marinho

Tive a grande felicidade de ter os olhos do Jorge bem perto enquanto escrevia o livro Mínimo múltiplo comum. Sempre aprendi muito com ele e não digo apenas de literatura, mas de vida. Porque antes de ser um excelente professor, era uma pessoa excepcional. Todas as facetas dele, admiráveis, continha o que há de mais valioso: um pedacinho da vida, um pedacinho da gente. Tinha um jeito de ver – e viver – a vida que continha a gente. Um amigo, um leitor, um (des)conhecido. Imagino ser esse o motivo por ser tão amado.

Faço aqui minha singela homenagem à esse grande amigo, grande escritor, eternizado pelos seus lindos livros e certamente nos corações das borboletas que tiveram a alegria de passar por sua vida.

Aqui, dois contos que estão no livro Mínimo múltiplo comum escritos em homenagem ao nosso Jorge. E, em seguida, o posfácio escrito por ele. Pra mim, um texto-presente que levo pra sempre comigo. Por insegurança, eu queria que o texto fosse o prefácio do livro, mas o Jorge me convenceu em colocar depois dos contos para deixar o leitor livre da “contaminação” de um olhar. Por esse motivo, também nessa homenagem, respeito essa ordem.

Comunhão (para Jorge)

Subiu de dois em dois. Para chegar mais rápido, ela ia comendo os degraus. Havia um mendigo, que fumava deitado na escadaria. Tinha um jeito calmo, de quem assiste ao redor. Eles se olharam. No breve instante dessa intersecção, ele percebeu tudo, ela pensou. E teve vontade de dizer: ele não pode ir embora. Mas não disse. 

Chegou à portaria do prédio e confirmou a notícia. Foi um AVC.

No caminho de volta, e sem saber por que, andava acelerada como na ida, quando tinha pressa. A rua, as pessoas, tudo recoberto por uma cortina aguada que se formou nos olhos. Desceu a escadaria, o mendigo continuava lá. À espera. Eles se olharam de novo. Foi quando as lágrimas caíram, transbordaram. Ele não pode ir embora. Dessa vez, ela disse.

O mendigo sorriu somente com os olhos. Ela lambeu as lágrimas. Sentiu o salgado, a vida.

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O recado

Se as ondas são palavras, o mar estava calado. Ela caminhou até os rochedos, escolhendo com calma onde pisar, sem machucar. Prendeu o abdômen com força para ganhar equilíbrio. Não podia cair.

À beira dos rochedos, ela e o mar. Aquele mar surdo e mudo. Ainda assim, ela compreendeu. Compreendeu o silêncio das águas.

Horas antes, leu uma passagem de Ciranda de pedra, de Lygia. Daniel divagava sobre a morte, um ferro de passar desligado da tomada. Vai esfriando, esfriando, até ser apenas um corpo inerte. Só que com os homens é diferente. Há o sopro. Eterno, sobrevive dentro dos corpos dos que amaram aquele que se foi. Era bonito aquilo. A morte nas palavras dela. Quis abraçar e xingar e beijar Lygia. E ele também.

Teve vontade de chorar. O mesmo choro de criança, quando desenterrou, depois de uma semana, o passarinho de estimação para ver do que a morte era capaz. E viu. Viu lá no horizonte indefinido. O canto do pássaro se formando junto com uma onda, que ganhou força e bateu contra o rochedo. Voou alto sobre as pedras. As gotas salgadas no rosto dela, sem saber se dos olhos ou do mar.

Nesse instante, bem nesse agora, ela inspirou um sopro. Uma paz enorme tomou conta. Quase se sentiu feliz.

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Posfácio

SER SIMPLES FAZ SENTIDO 

Crônicas ou contos? Nem gênero nem gênese. Melhor chamar de instantes de ficção ou simples questão de acordo literário. Casamento de palavra e emoção poética, feliz encontro de realidade e imaginário, o real em trânsito de comunhão com a fantasia. Ficção centrada em histórias comuns, anônimas e tão familiares, literatura viva e vivida.

Ser simples faz muito sentido. 

Raquel Matsushita sente e escreve, casa a linguagem com a vida, extrai da simplicidade de ser e escrever coisas alegres e coisas doídas com forte dimensão humana.

Essência emotiva e emoção na essência.

É assim que acontece a criação literária da Raquel que joga contra e a favor da condição humana, sempre plena de tensão significativa. Poesia prosaica e prosa com poesia, literatura por dentro da realidade, expressão existencial do que acontece de repente. Instantâneos de amor, sentimento de falta, ausência do que pode ser e não é. O acaso de existir.

Registro poético quase sem intermediação, escritora e escritura unidas pelo sentido de encontro e de comunhão.

Paixão, sempre paixão em ritmo de denúncia sofrida por ela que escreve e pelos outros que apenas buscam viver. Ou sobreviver. No fundo e pela força de uma possível poética da simplicidade, permanente promessa de um mundo melhor.

Existência e revelação na palavra literariamente sentida.

Jorge Miguel Marinho

II Jornada literatura de infância – PUC-SP

Nesta quinta, dia 6/6, 14h30, tenho a honra de participar de uma mesa bem linda – Mediação de Leitura: imagem e experimentação literária, com Elizabeth CardosoAline FredericoLuis Girão e Debora Barbieri, na II Jornada Literatura de infância, na PUC-SP (Rua Ministro Godoy 969).

Falarei sobre Empatia e Intenção na construção das imagens e do projeto gráfico. A importância de falarmos sobre o que não está impresso nos livros: o processo, o pensamento por trás da criação. Não somente como um dado de curiosidade, mas como uma ferramenta de trabalho, principalmente aos mediadores, tão importantes no estímulo à leitura, sejam professores, bibliotecários, blogueiros, pais ou qualquer pessoa que lê para uma criança.

O evento é gratuito, só chegar! Todos convidadíssimos.

o guarda-chuva que desenguardachuvou

O guarda-chuva que desenguardachuvou (Trioleca Editora) é o mais recente livro de Claudio Fragata e Raquel Matsushita. O texto de quarta capa, escrito nas palavras encantadoras de Stella Maris Rezende, diz assim: “Você quer se maravilhar com desenhos chuvosos e palavras ensolaradas? Quer uma história de amor, fantasia, surpresas e reviravoltas? Então abra este livro-guarda-chuva! Orthofie-se na aventura de imagens matsushitas e palavras que são fragatas de encantadora poesia. Descubra segredos… Se abra para a vida e para suas possibilidades. Faça chuva ou faça sol. Viva a liberdade! Viva o maravilhamento!”

Saiu uma resenha na revista Crescer, em maio de 2019. Confira aqui:

O livro começa numa grande tempestade e termina com o sol brilhando. Algumas imagens mostram a temperatura e o clima desta história.

Segredo sobre a Raquel nas palavras do Claudio: quem olha para as lindas imagens deste livro nem imagina como foram feitas. Raquel usou as coisas mais malucas para criar fundos, formas, texturas e personagens. Usou pente, tampa de vidro de remédio, papel-toalha, plástico-bolha. Usou gomo de mexerica, casca de banana, pétala de flor e até biscoito waffle como se fossem carimbos. Também carimbou as letras G, I, S, O e Y  com carimbos de verdade para completar algumas figuras. Folheie as páginas do livro e veja se você consegue descobrir os truques de arte da Raquel.

Para ver mais, visite o site da Entrelinha.

poesia em dois livros

Dois livros de poesia, ambos com projeto gráfico da Entrelinha, lançados pela Ozé Editora.

Livro “Mindinho maior de todos”, de Juliana Valverde, com ilustrações de Feres Khoury

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“O mar tem fim?
Tudo tem, / sim, / um começo. / E o que começa / termina. / Nessa certeza, / um protesto: / mar é mar, / resto / é / resto.”

“Mamãe e a árvore
Mamãe cantando para / a árvore cheia de vida. / – Mãe, folha ama?”

“Sapatarinheiraria
Ao saber que de nada sabia / e que o pouco que soubera / fez com que soubesse / do tanto que ainda tinha de saber, / seu Sousa da sapataria / sentou-se num toco de tronco e / esperou.”

Juliana Valverde

“A poesia existe para falar da vida e do mundo de forma subjetiva e impressionista. No lugar das fórmulas prontas, de rótulos e descrições que já conhecemos, na poesia os assuntos aparecem marcados pela voz singular, pessoal e única do poeta. Com a poesia penetramos no patamar da voz humana individual, sua sensibilidade, seu espanto, sua precariedade, sua força. Foi o que senti ao ler o livro Mindinho maior de todos, de Juliana Valverde. (…)”. Ricardo Azevedo

“Você não esqueceu meu cheiro”, de Ana Guima

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“Despi-me / de corpo / e alma / fiquei a vontade / em ti.”

“Ela era quente / ele era frio / se encontraram / vermelho e azul / arroxearam-se / à primeira vista”.

“La Mariposa
As lagartas saem dos casulos / transformadas em borboletas / em que meu peito / vai se transformar / quando eu sair do casulo, / quando eu curar o coração, / que véu vai cair?”

Ana Guima